sábado, agosto 19, 2006

O Grande Vendedor

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Ricardo Stabolito Junior

O futebol brasileiro é uma vitrine. Os grandes times europeus olham a vitrine, vêem os jogadores que gostam e os compram. Então, os times do Leste Europeu e do Oriente chegam e levam da vitrine o melhor do que sobrou. Depois, ainda chega o pessoal do “mundo árabe” e leva mais um ou outro. O que sobrou dessa venda em massa são os jogadores que assistimos no Campeonato Brasileiro toda semana.

Quando um time brasileiro é campeão de algum torneio importante, a visibilidade aumenta de tal forma que o desmanche do elenco se torna quase uma conseqüência natural do título. É como se o time brasileiro campeão tivesse seus jogadores colocados em destaque na vitrine.

O Internacional acabou de ser campeão da Copa Libertadores da América. Em meio à alegria do título estava também um ar de despedida, já que o zagueiro Bolívar e o meio-campo Tinga (abaixo) já estavam praticamente negociados com clubes europeus (Mônaco e Borussia Dortmund, respectivamente). No São Paulo, adversário do Inter na final, a despedida era do zagueiro Lugano – negociado com o Fenerbahçe. No Inter ainda pairam também os rumores de possíveis saídas de jogadores como Rafael Sóbis (que já estaria em negociações adiantadas com o Milan) e Edinho.

É triste constatar que um time que vá disputar o Mundial de Clubes, no fim do ano, esteja passando por um início de desmonte. Pior, alguns já estavam negociados antes mesmo de a Libertadores acabar. Enquanto reforços começam a ser cogitados para o torneio intercontinental, alguns se esquecem de que os jogadores que conquistaram a vaga para o Mundial para o clube estão sendo vendidos.

Além de triste, não deixa de ser preocupante também a saída desses atletas. O time do Internacional tinha como ponto mais forte seu conjunto, assim como o São Paulo do ano passado tinha. Para quem assistiu a última edição do Mundial ficou claro que o clube paulista não jogou tão bem, ganhou muito mais pela sua harmonia e entrosamento dos jogadores dentro de campo do que, necessariamente, pelo futebol apresentado. Se o desmonte for além dos dois jogadores já citados anteriormente, é muito provável que os aspectos que favoreceram o time na conquista da Libertadores da América já não sejam trunfos na disputa do Mundial de Clubes.

O exemplo para o clube gaúcho estava jogando contra ele na final: o São Paulo não desmontou seu elenco após a conquista do torneio continental ano passado. O clube manteve a base vencedora do primeiro semestre para disputar o Mundial de Clubes. E a prova do bom trabalho dos dirigentes são-paulinos está na venda de Lugano esse ano, pois o mesmo tinha propostas do futebol do exterior desde meados de 2005 e foi “segurado”.

Toda essa situação prova que quando se fala em “planejamento” em um clube do futebol brasileiro, isso vai além de ganhar títulos. Um segundo capítulo, tão ou até mais difícil do que a conquista de um título, se inicia após a competição: a manutenção de um elenco vencedor. E nessa etapa os grandes clubes têm que tomar muito cuidado, para que o Grande Vencedor não se torne também o Grande Vendedor.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Abelão sem vice

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Henrique Moretti

Não sou pontepretano, muito menos já morei em Campinas, mas desde 2003 admiro o técnico Abel Braga. Foi no Campeonato Brasileiro daquele ano que Abelão, como é conhecido, tomou uma atitude demonstrativa de grande caráter. Como muitos se lembram, no comando da Ponte Preta, o treinador foi um dos únicos a não abandonar o barco da equipe campinense no decorrer da competição, já que mais de 15 jogadores saíram acusando salários atrasados.

Mesmo sem receber, Braga honrou seu compromisso até o fim e superou as grandes dificuldades de trabalho, conseguindo manter a Ponte na Série A nacional, na última rodada, após vitória sobre o Fortaleza, em casa, rebaixando os nordestinos, e fazendo a festa da torcida da Macaca. E a imagem dos pontepretanos invadindo o gramado do Moisés Lucarelli para agradecer ao treinador foi muito marcante.

De lá pra cá, o treinador foi colecionando bons trabalhos e mesmo assim não conseguia sair do estigma de ser sempre vice-campeão. O que era meia-verdade, já que conquistou o bicampeonato carioca, com Flamengo e Fluminense, em 2004 e 2005, além dos vices - que o marcaram bastante -, da Copa do Brasil, com os respectivos times e nos respectivos anos.

Penso que um pouco desse estigma de Abel Braga vinha de preconceito por parte da imprensa, principalmente da paulista, que tem lá seus integrantes “bairristas”. O jeito do técnico - meio boleiro, sem papas na língua, e até mesmo boêmio – contribuiu para se criar uma imagem ruim, ou não tão boa, de Abelão. Frases marcantes, como a em que ele elogia indiscretamente a bandeirinha Ana Paula Oliveira, também contribuem para a formação da figura Abel.

Além do bi-vice da Copa do Brasil, seu Fluminense do ano passado rumava bem no Brasileirão, integrando a zona de classificação à Libertadores durante a competição inteira e apresentando por alguns momentos o futebol mais vistoso do país, porém o péssimo fim de returno fez com que a equipe caísse para a quinta posição, fazendo com que todo o bom trabalho realizado por Abel fosse por água abaixo.

Para superar o tabu de não se classificar para a mais importante competição das Américas sempre por muito pouco, o treinador resolveu encarar um clube já garantido na competição, e com uma belíssima estrutura: o Internacional. Mesmo Inter que ele dirigiu em 1989, quando caiu na própria Libertadores em sua reta final, depois de uma eliminação trágica ante o paraguaio Olímpia, em pleno gigante da Beira-rio.

E é em Porto Alegre que Abelão, aos 56 anos de idade, está atingindo o ápice de sua carreira. Porém como tudo na vida do carioca, o trabalho começou duro, e ele quase se viu demitido depois da “derrota” na final do Campeonato Gaúcho, para o rival Grêmio (a derrota vem em aspas porque o título foi perdido com dois empates na decisão, pelo critério de gols marcados na casa do adversário). A pressão da torcida colorada foi grande, e injusta, visto que a campanha na Libertadores e no próprio Gaúchão eram irrepreensíveis até então.

Fernando Carvalho, presidente do Inter, resolveu resistir à torcida, o que se mostrou a decisão realmente mais acertada, agora que ao visitar o Morumbi a equipe bateu o São Paulo por 2x1, ficando muito próxima do que seria (ou será) a maior glória da história colorada, o título sulamericano.

Título que viria também a coroar o trabalho do lutador Abel Braga, para dar um basta em todos os preconceitos e estigmas contra a sua pessoa, e mais, mostrar que quem vos escreve não errou ao colocá-lo como um bom postulante ao cargo de técnico da Seleção Brasileira, nesta mesma coluna, poucas semanas atrás.

Enfim, o treinador mais sincero do futebol brasileiro merece já há um tempo este lugar ao sol; não sou colorado, nem nunca visitei Porto Alegre, mas os torcedores são-paulinos que me perdoem, porque nesta grande decisão estou com Abel Braga e não abro.