sábado, abril 28, 2007

As duas éticas de Zidane

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Henrique Moretti


Permitam-me voltar no tempo. Gostaria de ir a 9 de julho de 2006. Pense um pouco... exato! O fatídico dia da final da Copa do Mundo 2006, entre Itália e França – ou melhor, o dia da fatídica cabeçada que Zidane desferiu em Materazzi. Acalme-se, você, que não gosta de futebol. Não é este o assunto que quero tratar aqui. A pauta neste texto é ética, longe do sensacionalismo com que a imprensa brasileira tratou do ocorrido em Berlim. Sim, ética... você pode se estar perguntando agora: “como?”.

Tudo se explica: quase dez meses depois do grande evento disputada na Alemanha, tento tocar aqui num assunto pouco comentado nos dias seguintes àquele 09/07. Três dias depois da final, Zinedine Zidane concedeu entrevista à emissora francesa de TV Canal Plus, com o intuito de explicar o, talvez, inexplicável. A frase do craque que resume aquela conversa foi a seguinte: “Desculpo-me pelas crianças que viram a cena, mas não posso lamentar meu gesto porque isso mostraria que ele (Materazzi) teve razão ao dizer tudo aquilo”. Ou seja, Zidane tem duas éticas. Isso pode parecer estranho. É possível alguém seguir duas doutrinas diferentes?

Segundo a definição, ética (palavra originada diretamente do latim ethica, e indiretamente do grego Ηθική, ethiké) é um ramo da filosfia que estuda a natureza do que é considerado adequado e moralmente correto. Teoricamente, portanto, só é possível cada ser humano ter sua própria, e única, ética. Na “vida real”, entretanto, o que Zidane declarou é plausível e, indo além, parece ser até correto, analisando o caso, porque ele consegue pedir desculpas pela agressão frente às crianças, que o tem como exemplo (cabe aqui a explicação de que o francês sempre teve um comportamento polido, sendo considerado um gentleman dos gramados, além de ser um dos maiores jogadores dos últimos tempos), e, ao mesmo tempo, pode continuar recriminando a atitude de Materazzi, que o teria ofendido e até realizado ofensas racistas – descendente de argelinos, Zidane é muçulmano.

Parece bem provável, seguindo a linha de raciocínio, que Zizou abriu mão de um encerramento de carreira épico dentro de campo para realizar um fecho histórico fora dele. Em outras palavras, o craque mostrou que a consagração de levantar a taça de sua segunda Copa do Mundo de nada vale se contrabalanceada com a manutenção de seus princípios e de sua honra. Mais: o francês atacou a idéia corrente no futebol de que xingamentos e ofensas são normais.

Para encerrar, talvez eu esteja sendo romântico demais, porém não consigo deixar de pensar que, se Zidane tivesse deixado passar o lance com Materazzi - seja lá o que o italiano disse -, não estaríamos aqui hoje discutindo essa porção de assuntos interessantes. Sendo assim: obrigado, Zizou.


Foto: UOL

Publicado originalmente no blog Sardinha em Lata, projeto experimental de filosofia do 1º JoC - Faculdade Cásper Líbero: www.sardinhaemlata.blogspot.com