sexta-feira, julho 21, 2006

Uma sucessão complicada

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Ricardo Stabolito Junior

Quando se discute a renovação da seleção brasileira, as posições que costumam causar mais controvérsias são as laterais direita e esquerda. Nos últimos anos, o Brasil se acostumou a escalar quase que automaticamente os “eternos” Cafu e Roberto Carlos para as posições, o que afastou um pouco a atenção para a busca de sucessores para ambos. Na Copa do Mundo desse ano, os dois veteranos mostraram já não ter condições físicas e técnicas para serem encarados como jogadores indiscutíveis, tornando imprescindível o encontro de substitutos.

Na Copa, os reservas de Cafu e Roberto Carlos foram Cicinho e Gilberto. Não há como negar que ambos são grandes jogadores, mas será que eles são verdadeiramente laterais? Contra o Japão, jogo em que os dois entraram jogando, eram perceptíveis os “corredores” que ficavam expostos para ataques da seleção japonesa. O gol do Japão originou-se de uma falha de Cicinho. A verdade é que Cicinho e Gilberto são grandes apoiadores, mas não são grandes marcadores, o que faz deles muito mais alas do que laterais.

Baseando-se nas concepções do futebol “moderno”, laterais são jogadores que tem, primeiramente, a obrigação de marcar e depois a possibilidade de avançar e apoiar o ataque – explicação dada pelo próprio Cafu em uma de suas entrevistas na Alemanha. É inegável que Cicinho e Gilberto cedem poder ofensivo invejável ao Brasil, no entanto deixam muito a desejar no aspecto primordial de um lateral – o defensivo. Não é a toa que, frequentemente, ambos jogam em seus clubes (Real Madrid e Hertha Berlin) como meias e não como laterais.

O problema da renovação das laterais passa muito pelo desencontro das definições e funções do lateral no futebol brasileiro e europeu. No Brasil, os laterais têm função muito mais ofensiva do que na Europa, muito porque os clubes brasileiros carecem de bons jogadores de criação e articulação no meio-campo. Com um excessivo número de volantes, a subida dos laterais se torna não apenas possível, como essencial para que boas jogadas de ataque sejam tramadas. Já na Europa, o lateral é um agente de defesa, tanto que comumente escalam-se zagueiros para atuarem na posição.

Esse desencontro deriva-se também dos esquemas táticos usados pela maioria dos clubes europeus e brasileiros. No nosso país, se tornou comum jogar com três zagueiros, assim os laterais se tornam alas e ganham caráter definitivamente ofensivo. O atual campeão mundial de clubes – São Paulo – joga com três zagueiros (3-5-2), por exemplo. Já na Europa, a maioria dos times joga com as tradicionais duas linhas de quatro jogadores (4-4-2 ou 4-4-1-1), onde a primeira linha destina-se quase que exclusivamente para a marcação.

Quando os nossos laterais de vocação ofensiva e alas são vendidos ao futebol europeu, poucos são os que se adaptam ao caráter defensivo que a posição ganhou na Europa. Assim sendo, aos técnicos resta a opção de escalá-los como meias, como acontece com Cicinho e Gilberto.

Cafu e Roberto Carlos são realmente os melhores laterais que o Brasil dispõe, porque seus possíveis sucessores e/ou substitutos não são laterais. Cicinho e Gilberto se encaixariam como uma luva nas laterais da seleção se o Brasil jogasse conforme a realidade de seu futebol (times com três zagueiros), mas não se encaixam em uma seleção brasileira que joga conforme uma realidade européia (linha de quatro). Se eles tivessem condições de serem laterais em uma linha de quatro, não teriam de ser meias em seus clubes na Europa.

Os brasileiros acreditam ter encontrado, principalmente com Cicinho na direita, os sucessores para as laterais direita e esquerda, mas é bem possível que essa questão venha a causar ainda muita dor de cabeça no próximo técnico da seleção.

terça-feira, julho 18, 2006

O que fica da Copa

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Henrique Moretti

A Copa do Mundo 2006 acabou. A maior competição do Planeta Bola, que durou de 9 de Junho a 9 de Julho deste ano, deixa saudades, como todas. São 30 dias sempre inesquecíveis, com torcidas se confraternizando, belas jogadas e imagens marcantes. Vejamos o que deve ficar desta Copa.


Analisando o futebol jogado na Alemanha, fica uma impressão de que se queria mais. Não chegarei aqui falando que o futebol perdeu, que a competição foi defensivista, “pior de todos os tempos”, como alguns já ousaram comentar. Mas para uma Copa que antes dela começar apresentava tantos craques e bons jogadores é claro que um pouco de decepção ficou, sim.


Atletas como Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Frank Lampard, Steven Gerrard, Francesco Totti, Juan Román Riquelme, Ruud van Nistelrooy, Zlatan Ibrahimovic, entre outros, deixaram a desejar. E muito. Isso fez com que, à exceção do eterno Zinedine Zidane, os futuros das seleções ficassem definidos por jogadores antes tidos como coadjuvantes.


Desde o primeiro dia da Copa isto pode ser percebido. Desde quando o não-badalado Lahm, lateral-esquerdo da anfitriã Alemanha, assinalou o primeiro gol da competição, num chutaço da ponta da área. No mesmo jogo, o volante Frings selou a vitória noutro chute, desta vez de mais longe, no ângulo do goleiro Porras. O mesmo Frings que em outros anos era improvisado, e bem discreto, na lateral-direita da equipe.


Assim, os jogos foram passando e na Argentina se percebeu que quem comandava o time era o meia Maxi Rodríguez, e não Riquelme, muito menos Lionel Messi (este, absolvido, por pouco entrar em campo). Na seleção brasileira, o destaque ficou por conta de Zé Roberto, único jogador canarinho entre os 23 da seleção da Copa; na agora tetracampeã Itália, brilharam Pirlo e os jogadores de defesa, Zambrotta, Cannavaro e Grosso, e claro, o goleiro Buffon.


E junto a Buffon outros de sua posição brilharam, na Copa que pode ficar conhecida como a dos grandes goleiros. De desconhecidos como o próprio costarriquenho Porras, o polonês Boruc e o trinitino Hislop até os já famosos, que foram espetaculares: além do italiano da Juventus, Isaksson, da Suécia, Cech, da República Tcheca e Lehmann, da Alemanha.


Não foi uma Copa de grandes zebras. À exceção de Trinidad & Tobago e Gana, as outras seleções que chegaram às fases decisivas eram mais ou menos àquelas que se esperavam. A decepção na primeira fase ficou com a República Tcheca, que desfalcada nada conseguiu fazer ante os fortes ganeses. Na segunda fase, como já discutido aqui há uma semana, o Brasil, indiscutivelmente, além da azarada Inglaterra, que só conseguiu alinhar Rooney e Owen por minguados minutos da competição, no jogo contra a Suécia (Owen ali sairia machucado, e cortado da Copa).


Copa que provou que quando realizada “na Europa” tem muitas chances de se tornar “da Europa”; dos quatro semifinalistas, todos eram do Velho Continente: Alemanha, França, Itália e Portugal. Este último, comandado por Felipão, trará boas lembranças quando no futuro olharmos para trás.


Os “patrícios” protagonizaram jogos com muita luta e vontade, como raramente se via em sua seleção, e muito disso se deve, claro, ao treinador brasileiro, que acabou com o recorde de vitórias consecutivas para um técnico. Mas recordes e brasileiros não combinaram nesta Copa... então deixemos pra lá.


Em linhas gerais, pode ser dito que o único craque a comparecer ao Mundial foi o 10 francês Zidane, que nos proporcionou momentos mágicos quando muitos já o colocavam no ostracismo. O jogador, filho de imigrantes argelinos, trilhou uma despedida inimaginável para qualquer atleta, literalmente “dos sonhos”. A partida contra o Brasil entrou no rol das maiores atuações individuais de um jogador na história das Copas, e por que não do futebol como um todo.


Não conquistou o bicampeonato mundial, e o sonho quase virou pesadelo em seu último jogo, quando a cabeçada desferida a Materazzi se tornou na imagem mais marcante da Copa do Mundo 2006. Mas digo “quase” porque o que ficará para mim e para outros milhões de fãs do carequinha francês são todas as coisas boas realizadas por este grandíssimo jogador de futebol.


Por fim, é uma pena que o maior espetáculo do planeta tem que acabar. Foram 30 dias especiais para os fãs de futebol. Agora uma longa espera agonizará nossos corações até a chegada da Copa da África, em 2010. Até lá, temos Eurocopa, Copa América e Olimpíadas para tentar amenizar o nosso, desde já, ansioso aguardo.


Coluna também publicada em www.voleio.com