sábado, julho 08, 2006

Miracolo

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Ricardo Stabolito Junior

Se a Itália ostentava algum favoritismo para essa Copa, devia-se em muito (muito mesmo) ao peso de sua camisa. Com atuações fracas e sem energia, a Itália trilhou seu caminho até o Mundial da Alemanha levando consigo descrença e desânimo. Poucos eram aqueles que acreditavam numa Itália finalista, como se confirmou ontem.

A torcida italiana passava por uma fase de profunda depressão. A eliminação da Copa de 2002 nas oitavas-de-final contra a Coréia do Sul, tendo sido prejudicada por uma das piores arbitragens da história das Copas, e a descoberta do escândalo da compra de resultados no “Calcio” fizeram com que o torcedor praticamente “jogasse a toalha” antes mesmo do Mundial se iniciar.

A seleção italiana, mesmo encarando um dos grupos mais tranqüilos das eliminatórias européias (com Noruega, Bielorrússia, Moldávia, Eslováquia e Escócia), conseguiu se complicar em alguns jogos, como na derrota para os eslovacos ou na vitória sofrida contra os bielo-russos em casa por 4 a 3. No entanto, conseguiu se classificar com razoável folga no grupo, cinco pontos à frente dos noruegueses.

Nos amistosos de preparação, as atuações sem energia imperaram. O futebol italiano sempre foi estigmatizado como feio e pragmático, com foco no sistema defensivo e contando com o talento individual de seus atacantes. E, na preparação para essa Copa, o quadro parecia se repetir. Por ironia do destino, o único amistoso em que os italianos mostraram um futebol convincente foi contra a Alemanha, adversário da semifinal, goleando por 4 a 1.

A descrença do torcedor continuou com a convocação do técnico Marcelo Lippi. Muitos jogadores de times pequenos do campeonato nacional foram convocados. O Palermo, por exemplo, cedeu 4 jogadores. Além disso, muitos dos atletas convocados constituíam mais uma aposta arriscada do treinador do que uma certeza, caso de Gattuso, Materazzi, Zaccardo e De Rossi. A verdade é que a única certeza que os italianos tinham era quais eram seus adversários na primeira fase: República Tcheca, Gana e Estados Unidos – para muitos um possível segundo grupo da morte.

Complicava ainda mais o fato de os principais jogadores da seleção italiana já estarem próximos ou com mais de 30 anos de idade, sofrendo com problemas físicos e suscitando desconfiança entre os torcedores. Inclusos nesse grupo estão Cannavaro, Nesta, Del Piero e Totti (que quase ficou fora da Copa por causa de uma grave contusão).

Outro fator que poderia prejudicar a campanha da Itália era a indecisão do técnico Lippi. Desde que assumiu a Azurra, a não-repetição de escalações e mudanças de esquema tático sempre o marcaram. Durante os treinamentos pré-Copa, Lippi treinou o time em uma infinidade de formações, mas a imprensa italiana sabia que aquele comportamento muito mais se devia à indecisão do treinador do que pela versatilidade do elenco.

Na primeira fase, a Itália passou em primeiro lugar no seu grupo com sete pontos. Apesar de a chave ser complicada, a esquadra Azurra mostrou segurança e tranqüilidade na maioria do tempo. Com uma retaguarda bem postada e o goleiro Buffon em grande fase, os italianos sofreram um único gol (contra, por sinal). No entanto, a seleção teve duas baixas: Totti, jogando mal e pouco inspirado, foi para o banco e De Rossi, após uma cotovelada criminosa no atacante norte-americano McBride, foi expulso e suspenso por 4 jogos.

De Rossi era uma das apostas arriscadas de Lippi. O volante da Roma, apesar de ser bastante eficiente, é conhecido por ser violento e se exaltar facilmente. Para substituí-lo, Lippi passou a escalar outro jogador do grupo das “apostas arriscadas”: Gattuso. O volante do Milan é conhecido pelo seu jeito esquentado e briguento, mas consegue conferir ao time em que joga algo que a seleção italiana, apesar da boa campanha, ainda não mostrava – energia.

Nas oitavas-de-final, a Itália encarou a retranca eficiente dos australianos. Jogando com pouquíssima criatividade e dez jogadores o segundo tempo inteiro, o time esteve seriamente ameaçado pela desclassificação. Quando os australianos acertavam a mira (poucas vezes), Buffon estava lá. Já nos descontos, em uma ótima jogada individual de Fabio Grosso, a Itália conseguiu um pênalti duvidoso, convertido por Totti.

Contra a Ucrânia, nas quartas-de-final, o time fez um primeiro tempo muito bom, saindo com a vantagem de 1 a 0. No início do segundo tempo, sofreram forte pressão dos ucranianos, barrados novamente pelo inspirado Buffon. No contra-ataque, o artilheiro Luca Toni fez mais dois gols, selando a vitória italiana.

Contra os alemães, a Itália fez um jogo interessante. Com o retorno de Totti ao time titular, os italianos ganharam criatividade, mas continuaram pecando pela lentidão. Já os alemães mostraram bastante velocidade na saída para o ataque, mas faltava criatividade. No segundo tempo, a diferença entre os times se acentuou ainda mais – Itália tentando ficar mais tempo com a bola e esgotada fisicamente enfrentava a Alemanha muito rápida na subida ao ataque, mas muito mais displicente com a posse da bola. No final, um jogo que parecia destinado aos pênaltis foi decidido em um ótimo passe de Pirlo e em um chute ainda melhor de Fabio Grosso. Nos descontos da prorrogação, Del Piero ainda fez um segundo gol em um passe calmo e inteligente de Totti.

A Itália é um exemplo de um time que evoluiu na fase final, desde o jogo fraco contra os australianos até a atuação segura contra os alemães. Quem previu em algum bolão ou bolsa de apostas que a Itália seria finalista, deve ter ganhado um bom dinheiro, pois a maioria das análises antes e durante a Copa sobre a esquadra Azurra circulava por dois aspectos: a força de sua camisa e a fragilidade de seu time.

O fato de ter a melhor defesa dentre as seleções semifinalistas, tendo levado um único gol, rende elogios ao setor, que sempre é destaque dos italianos. Na falta de Nesta, machucado, a dupla que vem jogando é Cannavaro e Materazzi. O goleiro Buffon mostra a segurança de sempre em atuações brilhantes. Outro destaque é o lateral Fabio Grosso, que defende e apóia com segurança e propriedade, impondo velocidade rara aos ataques italianos.

Lippi parece ter se decidido quanto à formação do time. Ele vem jogando com duas linhas de quatro jogadores, Totti a frente da segunda linha armando para Luca Toni que joga isolado na frente. Mais do que isso, Lippi conseguiu a aprovação entre os torcedores e especialistas italianos, que eram em maioria descrentes quanto ao trabalho do treinador.

O que se conclui com a chegada na final dos italianos é que esse time venceu muito mais do que seus adversários nessa Copa. A Itália venceu também a desconfiança, descrença do torcedor, dificuldades técnicas e indecisões com um time mediano – um verdadeiro miracolo!


França finalista

A França fará a final da Copa do Mundo contra os italianos. Os franceses venceram por 1 a 0 Portugal, gol de pênalti de Zidane. Embora tenha feito o gol, Zizou foi bem marcado e fez apenas um bom jogo, brilhando em algumas oportunidades. Os destaques dessa vez foram a linha defensiva francesa – Sagnol, Thuram, Gallas e Abidal – que se apresentaram com segurança e encobriram quase totalmente as falhas proporcionadas pelo veterano goleiro Fabien Barthez, e o volante Patrick Vieira, que novamente fez um grande jogo, se firmando como o mais constante jogador da seleção francesa na Copa.

Portugal, por sua vez, mostrou uma de suas limitações: a falta de poder de fogo. Nenhuma das substituições do técnico brasileiro Luís Felipe Scolari para avançar o time conseguiram surtir efeito e proporcionar grande perigo aos franceses. O único que conseguia ser, esporadicamente, bem sucedido era Cristiano Ronaldo, apesar de suas peripécias. No sábado, os portugueses enfrentam a anfitriã Alemanha na disputa pelo terceiro lugar do Mundial.

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